Cia de Dança Afro que pesquisa a cultura africana e afro-brasileira.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
A MORTE DE ZUMBI
Câmara Cascudo
Na Serra da Barriga, em sua encosta oriental, viveram, sessenta e sete anos, os negros livres dos Palmares.
Tinham fugido de várias fazendas, engenhos, cidades e vilas, reunindo-se, agrupando-se derredor de chefes, fundando uma administração, um estado autônomo, defendido pelos guerreiros que eram, nas horas de paz, plantadores de roça e criadores de gado.
Elegiam vitaliciamente, um Zumbi, o Senhor da força militar e da lei tradicional.
Não havia ricos, nem pobres, nem furtos, nem injustiças. Três cercas de madeira rodeavam, numa tríplice paliçada, o casario de milhares e milhares de homens.
Ao princípio, para viver, desciam os negros armados assaltando, depredando, carregando o butiu para as atalaias de sua fortaleza de pedra inacessível.
Depois o governo nasceu e com ele a ordem; a produção regular simplificou comunicações pacíficas, em vendas e compras nos lugarejos vizinhos. Constituiu-se a família e nasceram os cidadãos palmarinos.
As plantações ficavam nos intervalos das cercas, vigiadas pelas guardas de duzentos homens, de lanças reluzentes, longas espadas e algumas armas de fogo.
No pátio central, como numa aringa africana, residia o Zumbi, o Rei naquela república negra, o primeiro governo livre em todas as terras americanas.
Ali o Zumbi distribuía justiça, exercitava as tropas, recebia festas e acompanhava o culto, religião expontânea, aculturação de catolicismo com os rituais do continente negro.
Vinte vezes, durante a existência, foram atacados, com sorte diversa, mas os Palmares resistiam, espalhando-se, divulgando-se, atraindo a esperança de todos os escravos chibateados nos eitos de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
A república palmarina desorganizava o ritmo do trabalho escravo em toda a região. Dia a dia fugiam novos cativos, futuros soldados do Zumbi, com seu manto, sua espada e sua lança real.
Por fim, depois de investidas numerosas, em 1693, sete mil homens veteranos, comandados por grandes chefes de guerra, marcharam sobre Palmares.
Debalde o Zumbi levou suas forças ao combate, repelindo e vencendo. O inimigo recompunha-se, recebendo viveres e munições, quando os negros, sitiados, se alimentavam de furor e de vingança.
Numa manhã, todo exército atacou ao mesmo tempo, por todas as faces. As paliçadas foram cedendo, abatidas a machado, molhando-se o chão com o sangue desesperado dos negros guerreiros.
Os paulistas de Domingos Jorge Velho; Bernardo Vieira de Melo com as tropas de Olinda; Sebastião Dias com os homens de reforço - foram avançando e pagando caro cada polegada qua a espada conquistava.
Gritando e morrendo, os vencedores subiam sempre, despedaçando as resistências, derramando-se como rios impetuosos, entre as casinhas de palha, incendiando, prendendo, trucidando.
Quando a derradeira cerca se espatifou, o Zumbi correu até o ponto mais alto da serra, de onde o panorama do reino saqueado era completo e vivo. Daí, com seus companheiros, olhou o final da batalha.
Paulistas e olindenses iniciavam a caçada humana, revirando as palhoças, vencendo os últimos obstinados.
Do cimo da serra, o Zumbi brandiu a lança espelhante, e saltou para o abismo.
Seus generais o acompanharam, numa fidelidade ao Rei e ao Reino vencido.
Em alguns pontos da serra ainda estão visíveis as pedras negras das fortificações.
E vive ainda a lembrança do último Zumbi, o rei dos Palmares, o guerreiro que viveu na morte seu direito de liberdade e de heroísmo...
RETIRADO DO SITE MEMÓRIA VIVA
http://www.memoriaviva.com.br/
DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA
A Lei n.º 10.639, de 9 de janeiro de 2003, incluiu o dia 20 de novembro no calendário escolar, data em que comemoramos o Dia Nacional da Consciência Negra. A mesma lei também tornou obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira. Com isso, professores devem inserir em seus programas aulas sobre os seguintes temas: História da África e dos africanos, luta dos negros no Brasil, cultura negra brasileira e o negro na formação da sociedade nacional.
Com a implementação dessa lei, o governo brasileiro espera colaborar para o resgate da contribuição dos povos negros nas áreas social, econômica e política ao longo da história do país.
A escolha dessa data não foi por acaso: em 20 de novembro de 1695, Zumbi - líder do Quilombo dos Palmares- foi morto em uma emboscada na Serra Dois Irmãos, em Pernambuco, após liderar uma resistência que culminou com o início da destruição do quilombo Palmares. Apesar das várias dúvidas levantadas quanto ao caráter de Zumbi nos últimos anos (comprovou-se, por exemplo, que ele mantinha escravos particulares) o Dia da Consciência Negra procura ser uma data para lembrar a resistência do negro à escravidão de forma geral, desde o primeiro transporte forçado de africanos para o solo brasileiro (1534).
Algumas entidades como o Movimento Negro Unificado (o maior do gênero no país) organizam palestras e eventos educativos, visando principalmente crianças negras. Procura-se evitar o desenvolvimento do autopreconceito, ou seja, da inferiorização perante a sociedade.
Outros temas debatidos pela comunidade negra e que ganham evidência no 20 de novembro são: inserção do negro no mercado de trabalho, cotas universitárias, se há discriminação por parte da polícia, identificação de etnias, moda e beleza negra, etc.
O dia é celebrado desde a década de 1970, embora só tenha ampliado seus eventos nos últimos anos; até então, o movimento negro precisava se contentar com o dia 13 de Maio, Abolição da Escravatura – comemoração que tem sido rejeitada por enfatizar muitas vezes a "generosidade" da princesa Isabel, ou seja, ser uma celebração da atitude de uma branca.
A semana dentro da qual está o dia 20 de novembro também recebe o nome de Semana da Consciência Negra.
Então, comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra nessa data é uma forma de homenagear e manter viva em nossa memória essa figura histórica. Não somente a imagem do líder, como também sua importância na luta pela libertação dos escravos, concretizada em 1888.
Porém, hoje as estatísticas sobre os brasileiros ainda espelham desigualdades entre a população de brancos e a de pretos e pardos.
ZUMBI - REI DOS PALMARES
Nascido por volta de 1656. Morto em 20 de novembro de 1695
BIOGRAFIA
Aqualtune teve filhos que se tornaram chefes de mocambos, Ganga Zumba e Gana Zona, e teve também filhas, e uma delas deu-lhe um neto, nascido quando Palmares esperava um ataque holandês. Os negros cantaram e dançaram muito, pedindo aos deuses que o menino crescesse bravo e forte. E, para sensibilizar o deus da Guerra, deram ao menino o nome de Zumbi.
Ainda bebê, Zumbi sobreviveu a um massacre, e um comandante o levou para Porto Calvo, deixando-o sob os cuidados do padre Melo. O padre acabou se tornando pai e mãe do bebê. Comprou uma escrava de seios fartos para amamentá-lo, batizou-lhe Francisco, porque "era manso e inteligente como o santo que conversava com os animais". Ensinou matemática, histórias da bíblia e latim a Francisco, que chegou a coroinha.
Enquanto Palmares cresce e se fortalece, também assim acontece com Zumbi, em Porto Calvo. Porém, aos quinze anos, resolve se emancipar e parte em busca de seu destino, e este estaria mata adentro, muitas léguas dali. Em algumas versões da história de Zumbi, ao chegar em Palmares, ele escolhe seu próprio nome. Aos dezenove anos, era chefe de um mocambo (ou aldeia).
Ativo e muito instruído para a época, ganha a confiança de todos e é nomeado o comandante das armas pelo seu tio Ganga Zumba, na ocasião o líder supremo de Palmares. Nas lutas travadas entre os negros, em 1674, Zumbi surge como grande guerreiro, chefe valente, disposto a tudo. Nesse combate, o jovem chefe leva dois tiros, ficando coxo, mas continua a combater.
Seu nome e sua coragem começavam a virar lenda. Porém, alguns mocambos foram sendo derrotados e muitos negros acabavam por se entregar. Após Ganga Zumba ter aceito o acordo proposto pelo governador de Pernambuco, Pedro de Almeida, que dizia que os negros e índios nascidos em Palmares se tornariam livres, e os que fossem fugidos deveriam voltar a seus donos, ele volta feliz a Palmares, mas Zumbi não concorda.
Para ele, não se trata somente de viver livre, mas de libertar os ainda escravos. É a prudência e a sabedoria de Ganga Zumba contra a ousadia e o entusiasmo de Zumbi. Ganga Zumba é morto por envenenamento e a suspeita caiu sobre o próprio Zumbi, que ocupa o lugar do rei. Até mesmo os portugueses reconheciam : "Negro de singular valor, grande ânimo e constância rara".
Sua valentia era lendária dentro da cruel realidade de guerra, uma guerra onde os negros não conseguem mais armas ou pólvora, a não ser a que tomam do inimigo. O rei de Portugal ainda mandou oferecer as pazes a Zumbi duas vezes. Editais são espalhados por todas as vilas e vizinhanças. Poderia morar aonde quisesse, era só parar de lutar contra a escravidão: tem que ter escravo; sem escravo não tem açúcar, sem açúcar não tem Brasil, sem Brasil não tem Portugal.
Mas Zumbi pensava diferente: não precisa ter escravo; pode ter açúcar sem escravo, pode ter Brasil sem açúcar. E Portugal que se vire. Não havendo acordo, as lutas se acirraram. Zumbi resiste nas matas mês após mês, ano após ano. Em 1686, outro governador, nova tentativa. São vários grupos com mais de mil homens e com munição suficiente para uma guerra.
São comandados pelo bandeirante Domingos Jorge Velho, que tomaria para si as terras de Palmares, caso conseguisse derrotar Zumbi. Foi uma guerra dura e sangrenta. Palmarinos haviam construído uma muralha enorme para proteger o quilombo, e do lado de fora, Zumbi mandou abrir um fosso, disfarçado com galhos e folhas. Quem tentava ser aproximar, caía lá dentro. Os palmarinos e suas mulheres, de cima das cercas, lançavam água fervente sobre os atacantes. De um lado para o outro, Zumbi gritava aos seus homens, convidando-os a morrer em liberdade.
Ele é baleado e mesmo assim continua lutando. Sua abnegada resistência levou a luta a se transformar em um massacre de incríveis proporções. A corte não escolhe: homens, mulheres e crianças vão ficando pelo chão. Ao raiar do dia 7 de fevereiro de 1694, só há mortos e feridos. Os homens de Domingos Jorge Velho começam a procurar Zumbi, mas não encontram seu corpo.
Mais de um ano depois, um negro, prestes a ser executado, troca sua vida pela informação do paradeiro de Zumbi. E assim foi: o encontraram e renderam com mais de vinte homens e no dia 20 de novembro de 1695, André Furtado de Mendonça corta a cabeça daquele que foi o mais destemido rei e guerreiro, neto da princesa Aqualtune: nascido livre e morto por querer a liberdade de seu povo.
Um herói brasileiro. A notícia se espalhou entre os milhares de escravos que não acreditaram: Zumbi morto? Impossível! Um deus da guerra não pode morrer. E do fundo das noites cantavam para dar força e vigor ao rei de Palmares: "Zumbi, Zumbi, oia Zumbi..."
Fonte: www.portalafro.com.br/zumbi1.htm
O NAVIO NEGREIRO
Castro Alves
I
'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.
'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...
'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...
'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...
Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.
Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!
Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!
Homens do mar! ó rudes marinheiros,
Tostados pelo sol dos quatro mundos!
Crianças que a procela acalentara
No berço destes pélagos profundos!
Esperai! esperai! deixai que eu beba
Esta selvagem, livre poesia
Orquestra — é o mar, que ruge pela proa,
E o vento, que nas cordas assobia...
..........................................................
Por que foges assim, barco ligeiro?
Por que foges do pávido poeta?
Oh! quem me dera acompanhar-te a esteira
Que semelha no mar — doudo cometa!
Albatroz! Albatroz! águia do oceano,
Tu que dormes das nuvens entre as gazas,
Sacode as penas, Leviathan do espaço,
Albatroz! Albatroz! dá-me estas asas.
II
Que importa do nauta o berço,
Donde é filho, qual seu lar?
Ama a cadência do verso
Que lhe ensina o velho mar!
Cantai! que a morte é divina!
Resvala o brigue à bolina
Como golfinho veloz.
Presa ao mastro da mezena
Saudosa bandeira acena
As vagas que deixa após.
Do Espanhol as cantilenas
Requebradas de langor,
Lembram as moças morenas,
As andaluzas em flor!
Da Itália o filho indolente
Canta Veneza dormente,
— Terra de amor e traição,
Ou do golfo no regaço
Relembra os versos de Tasso,
Junto às lavas do vulcão!
O Inglês — marinheiro frio,
Que ao nascer no mar se achou,
(Porque a Inglaterra é um navio,
Que Deus na Mancha ancorou),
Rijo entoa pátrias glórias,
Lembrando, orgulhoso, histórias
De Nelson e de Aboukir.. .
O Francês — predestinado —
Canta os louros do passado
E os loureiros do porvir!
Os marinheiros Helenos,
Que a vaga jônia criou,
Belos piratas morenos
Do mar que Ulisses cortou,
Homens que Fídias talhara,
Vão cantando em noite clara
Versos que Homero gemeu ...
Nautas de todas as plagas,
Vós sabeis achar nas vagas
As melodias do céu!...
III
Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!
Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano
Como o teu mergulhar no brigue voador!
Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!
É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...
Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!
IV
Era um sonho dantesco... o tombadilho
Que das luzernas avermelha o brilho.
Em sangue a se banhar.
Tinir de ferros... estalar de açoite...
Legiões de homens negros como a noite,
Horrendos a dançar...
Negras mulheres, suspendendo às tetas
Magras crianças, cujas bocas pretas
Rega o sangue das mães:
Outras moças, mas nuas e espantadas,
No turbilhão de espectros arrastadas,
Em ânsia e mágoa vãs!
E ri-se a orquestra irônica, estridente...
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais ...
Se o velho arqueja, se no chão resvala,
Ouvem-se gritos... o chicote estala.
E voam mais e mais...
Presa nos elos de uma só cadeia,
A multidão faminta cambaleia,
E chora e dança ali!
Um de raiva delira, outro enlouquece,
Outro, que martírios embrutece,
Cantando, geme e ri!
No entanto o capitão manda a manobra,
E após fitando o céu que se desdobra,
Tão puro sobre o mar,
Diz do fumo entre os densos nevoeiros:
"Vibrai rijo o chicote, marinheiros!
Fazei-os mais dançar!..."
E ri-se a orquestra irônica, estridente. . .
E da ronda fantástica a serpente
Faz doudas espirais...
Qual um sonho dantesco as sombras voam!...
Gritos, ais, maldições, preces ressoam!
E ri-se Satanás!...
V
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão!
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são? Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!...
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . .
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael.
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!...
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer.
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar...
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!...
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...
VI
Existe um povo que a bandeira empresta
P'ra cobrir tanta infâmia e cobardia!...
E deixa-a transformar-se nessa festa
Em manto impuro de bacante fria!...
Meu Deus! meu Deus! mas que bandeira é esta,
Que impudente na gávea tripudia?
Silêncio. Musa... chora, e chora tanto
Que o pavilhão se lave no teu pranto! ...
Auriverde pendão de minha terra,
Que a brisa do Brasil beija e balança,
Estandarte que a luz do sol encerra
E as promessas divinas da esperança...
Tu que, da liberdade após a guerra,
Foste hasteado dos heróis na lança
Antes te houvessem roto na batalha,
Que servires a um povo de mortalha!...
Fatalidade atroz que a mente esmaga!
Extingue nesta hora o brigue imundo
O trilho que Colombo abriu nas vagas,
Como um íris no pélago profundo!
Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares!
SARAU O QUE DIZEM OS UMBIGOS - CONSCIÊNCIA NEGRA
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Candomblé, afinal o que é?
Jairo Santiago
Professor Doutor em Comunicação /ECO/UFRJ
Desde o século XVI milhões de negros vindos da África chegaram à costa brasileira, são de diversas etnias, que, mesmo considerada a diversidade cultural, comungam do fato de terem perdido as referências territoriais e comunitárias.
Restavam-lhes apenas os valores e princípios que demarcavam sua visão de mundo.
Esse grupo utiliza as mais diversas formas e táticas de sobrevivência.
Importante que se diga, que não se tratava apenas de uma sobrevivência espiritual, mas principalmente do corpo, de uma forma de viver.
Diante da adversidade da escravidão, era preciso recompor as referências perdidas. A religiosidade se prefigurou como um dos caminhos possíveis nessa empreitada, e o Candomblé, dentre outras manifestações religiosas se singularizou na manutenção de valores e princípios negros na diáspora. O Candomblé em sua expressão de maior magnitude, a comunidade-terreiro, permitiu a recriação de laços comunitários e territoriais aniquilados com a escravidão.
Mas afinal o que é Candomblé?
Em primeiro lugar se faz necessário pensar que se trata de uma poderosa síntese que se processou em território brasileiro, sendo assim resultado de um longo e doloroso processo histórico, no qual os negros escravizados e, posteriormente os libertos, tecem laços comunitários e territoriais, consideradas as diversidades adversidades. O negro se moveu, resistiu, se comunicou entre os fios da rede da repressão.
Entender essa tensa rede de acordos e enfrentamentos, de avanços e retrocessos, de disputas e acertos internos é o longo caminho para se compreender o que é o Candomblé. Nesse sentido, se lança mão aqui de uma metáfora para se tentar chegar a um primeiro entendimento do que seja candomblé, ou pelo menos uma de suas traduções possíveis:
Imagine que uma pessoa viaja até a África e que lá chegando conhece um determinado prato da culinária local, interessando-se pelo referido prato, solicita a receita e descobre que alguns dos ingredientes não existem no Brasil, e, mesmo assim, consegue os ingredientes e volta ao Brasil, onde resolve reproduzir o prato, mas se propõe a algo mais, ou seja, resolve inventar um novo prato, que embora contenha ingredientes africanos não lembra nenhum prato conhecido na África.
Portanto é um prato brasileiro. Assim é o Candomblé, pois mesmo considerados os elementos simbólicos e religiosos africanos (ingredientes) é resultado do processo histórico na diáspora, é síntese da inventividade dos partícipes. As palavras inventividade e recriação são fundamentais à compreensão do papel do negro escravizado ou liberto na diáspora.
O Candomblé agrega territorialmente elementos que no território africano eram dispersos e objeto de cultos locais e até isolados. Muniz Sodré nesse sentido afirma:
Do lado dos ex-excravos, o terreiro de (de candomblé) afigura-se como a forma social negro-brasileira por excelência, por que além da diversidade existencial e cultural que engendra, é um lugar originário de força ou potência social para uma etnia que experimenta a cidadania em condições desiguais. Através do terreiro e de sua originalidade diante do espaço europeu, obtêm-se traços de fortes subjetividade histórica das classes subalternas no Brasil (SODRÉ.1988,p.18)
Retomando o conceito de comunidade-terreiro, percebe-se que a mesma implica além da junção de elementos dispersos e distantes, uma nova concepção de comunidade, que agrega vivos e mortos, implica em uma relação de troca entre os vivos e os ancestrais, entre deuses e seres humanos, implica ainda em uma visão de ser humano que negocia com os deuses e ancestrais uma boa vida na terra, uma vida alegre, criativa e em constante movimento, pois para o Candomblé nada é estático, tudo é movimento, tudo é troca constante.
A idéia de movimento remete a um dos elementos mais importantes do Candomblé, que a figura de Exu, senhor do movimento sem fim, é responsável pela existência dinâmica da realidade, tudo muda, seres humanos, árvores, pedras, todos são parceiros em uma relação que é dada pela dimensão de um jogo cósmico. As possibilidades vão sendo construídas e destruídas o tempo todo. O segredo da regra do jogo encontra-se na palavra acerto, ou seja, acertar um ponto, fechar um acordo, alterar uma situação, enfim simular e dissimular a realidade. Uma grande figura do Candomblé, o professor Agenor Miranda da Rocha , dizia com propriedade: Candomblé é um sistema cuja base é Exu.
Assim sendo, na impossibilidade de um ponto fixo de referência, e de uma conversão à uma verdade eterna e imutável, como caminha a civilização ocidental
desde Platão, o Candomblé acena sempre com a possibilidade de se mudar o mundo e o destino. Busca-se enganar a morte, nem que seja por uma vez. O candomblé não se prefigura como um espaço de conversão à uma única verdade. Pertencer a uma comunidade-terreiro não exige o pressuposto da adesão a verdade, basta estar ali. Em uma festa ou cerimônia pública não se pergunta se a pessoa acredita ou não na divindade presente, ou nos princípios ali vigentes.
Os deuses existem independentemente da fé. Deve se entender Candomblé como um espaço de enfrentamento do projeto universalista da civilização ocidental. Na comunidade-terreiro o homem é capaz de estabelecer uma relação de troca sem que sobre um resto a ser apropriado economicamente e em favor de algum grupo
dominante .
A comunidade-terreiro recria a referência territorial-comunitária perdida em razão da escravidão. Os negros e seus descendentes reconstituem possibilidades de enfrentar o mundo que lhes é hostil e adverso.
Candomblé e Modernidade – considerações finais
O Candomblé, embora não se possa dizer que esteja fora da modernidade, implica em pontos de enfrentamento a esse projeto de ocidentalização do mundo pela lógica do mercado. Alguns aspectos da comunidade-terreiro apontam na direção de negar a modernidade. Entre esses pontos podem ser destacados: a relação com o corpo, que deixa de ser uma mercadoria, a impossibilidade da reprodução ad infinitum dos bens, a relação com o tempo e com o espaço.
A crença na palavra do pai fundador que se traduz no culto à ancestralidade, o reforço do sentido coletivo do agir humano que se choca frontalmente com o individualismo moderno; a crença no movimento constante da vida e dos homens, a crença na palavra e a desnecessidade de contratos escritos para garantir o cumprimento de um acordo e finalmente a negação de um dos sentidos da existência, a noção de axé. Para os adeptos do Candomblé a vida é um ato de alegria que se perpetua entre os parceiros do cósmico. Mas viver o hoje não implica uma visão pós-moderna de vida, um imediatismo infrutífero, mas sim, uma relação de ética comunitária, a felicidade de um deve estar imbricada com a felicidade de todos. Afinal isto é Candomblé.
Referências Bibliográficas
SODRÉ,Muniz, A verdade seduzida: Por um conceito de cultura no Brasil: Rio de Janeiro,CODECRI, 1983.
___________, O terreiro e a cidade: A forma social brasileira, Petrópolis: Vozes,1988.
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segunda-feira, 22 de novembro de 2010
IV SEMANA CULTURAL NA CASA DE CULTURA DO ITAIM PAULISTA -
NOS DIAS 13 E 14 DE NOVEMBRO NA CASA DE CULTURA DO ITAIM PAULISTA ACONTEÇEU A IV SEMANA CULTURAL COM O TEMA CONSCIÊNCIA NEGRA
BEM MUITOS PERGUNTAM POR QUE EXISTE O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA E NÃO TEM O DIA DA CONSCIÊNCIA BRANÇA?
COMO DIZ O PESSOAL DA FRENTE 3 DE FEVEREIRO: VIVEMOS NUM PAÍS RACISTA, SE NÃO FOSSE NÃO TERIA LÓGICA TERMOS O DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, POIS TODOS SERIAM TRATADOS DE FORMAS IGUAIS.
VOLTANDO A PROGRAMAÇÃO DA CASA DE CULTURA
TIVEMOS DOIS DIAS PROVEITOSOS PARA OS ESPECTÁDORES QUE LÁ ESTAVAM
ERAM POUCOS, CONFESSO, MAS ERAM OS POUCOS QUE FAZEM A DIFERENÇA, QUE LUTAM PELOS SEUS DIREITOS.
TIVEMOS ALGUMAS PALESTRAS SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS COM SIMONE FRANÇA DA UNEGRO, UM FILME/DOCUMENTÁRIO SOBRE STEVE BIKO COM NOSSO AMIGO/PARCEIRO FABIANO BIKO, TIVEMOS A PRESENÇA DA NAIR E NAIZA DA COORDENADORIA DE UM NÚCLEO QUE TAMBÉM LUTA POR POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A POPULAÇÃO AFRODESCENDENTE.
E TIVEMOS A APRESENTAÇÃO DE DANÇA AFRO E CONTAÇÃO DE HISTÓRIA COM ESTELAMAR, NENÊ AFRO E NJO IMOLÉ. DECIDIMOS UNIR FORÇAS COM A GALERA DO NENÊ ( FILHOS DE OBALUAIÊ), PARA FAZERMOS ESTE XIRÊ.
APRESENTAMOS A MITOLOGIA AFRICANA COM OS DEUSES QUE FORAM TRAZIDOS E INTRODUZIDOS EM SOLO BRASILEIRO, SABEMOS QUE DESTA MITOLOGIA SÓ FOI TRAZIDO PARA O BRASIL 16 DEUSES.
EXÚ, OGUM, OXÓSSI, OSSAIN, OBALUAIÊ, OXUMARÊ, NANÃ, XANGÔ, OYÁ, OBÁ, EWÁ, OXUM, IEMANJÁ, LOGUN EDÉ, OXAGUIAN E OXALUFÃN. PORÉM NA ÁFRIKA MAIS PRECISAMENTE ENTRE OS POVOS YORUBÁS SÃO CULTUADOS MUITO MAIS.
CADA UM DESSES DEUSES SÃO DONOS DE UMA PARTE DA NATUREZA, CADA UM TEM UMA FUNÇÃO DENTRO DELA, PORÉM TODOS TRABALHAM EM FUNÇÃO DO EQUILÍBRIO DO MUNDO, DOS SERES HUMANOS E DE SUA PRÓPRIA EXISTÊNCIA.
TRABALHAM PARA QUE O AYÊ (TERRA) TENHA EQUILÍBRIO COM O ORUN (CÉU), PARA QUE POSSAM VIVER EM HARMONIA COM SEUS FILHOS AQUI NA TERRA.
DIZ UMA LENDA QUE UM SER HUMANO TOCOU NO CÉU COM AS MÃOS SUJAS, E OXALÁ SEPAROU O ORUN DO AYÊ
E OS ORIXÁS FICARAM TRISTES POR NÃO TEREM MAIS A COMPANHIA DOS HUMANOS.
FICARAM MELANCÓLICOS, POR NÃO PODEREM MAIS DANÇAREM, BRINCAREM, ENSINAREM COISAS A ELES.
OS SERES HUMANOS TAMBÉM, SE TORNARAM TRISTES, A TERRA FICOU FEIA, SEM VIDA.
OXALÁ VENDO AQUILO, FALOU PARA OXUM DESCER A TERRA E PREPARAR OS HUMANOS PARA RECEBEREM EM SEUS CORPOS AQUELAS DIVINDADES.
OXUM MUITO VAIDOSA EMBELEZOU, PINTOU, BANHOU COM FOLHAS CHEIROSAS, VESTIU E ENSINOU TODOS OS SEGREDOS QUE OS HUMANOS PRECISAVAM SABER PARA TEREM A COMPANHIA DOS SEUS DEUSES.
APÓS TODA ESSA PREPARAÇÃO QUE OXUM A DEUSA DO AMOR, DA BELEZA, A DONA DO OURO E DAS ÁGUAS DOCES TIVERA PARA PREPARAR SEUS PUPILOS.
COMEÇOU O GRANDE XIRÊ (FESTA, BRINCADEIRA), ONDE OS YAWÔS RECEBERAM SEUS DEUSES E ELES DANÇARAM JUNTOS AO SOM DOS TAMBORES D'ÁFRIKA.
ASSIM TAMBÉM ACONTEÇEU NA CASA DE CULTURA, FIZEMOS O GRANDE XIRÊ, REPRESENTAMOS AS 16 DIVINDADES AFRICANAS, NOS PINTAMOS, NOS ENFEITAMOS, NOS VESTIMOS PARA SAUDAR NOSSOS DEUSES NEGROS.
FOI MUITO AXÉ
E SERÁ SEMPRE QUANDO DEIXARMOS O PRECONCEITO DE LADO E SAUDARMOS A BELEZA DA CULTURA AFRO - BRASILEIRA, QUANDO BUSCARMOS CONHEÇER NOSSA ANCESTRALIDADE.
E A BELEZA DE TUDO AQUILO QUE NOSSOS ANCESTRAIS NOS DEIXOU COMO LEGADO.
E QUE VENHAM MAIS XIRÊS
E QUE VENHA MAIS AXÉ!