NEGRA POESIA - BAHIA

MEU SONHO NÃO FAZ SILÊNCIO

Meu sonho jamais faz silêncio
E a ninguém caberá calá-lo
Trago-o como herança que me mantém desperto
Como esta cor não traduzida em versos
Pois se fariam necessários muitos e tantos versos

Meu sonho vara madrugadas
Som alto
De timbales que se arrebatam em cânticos
E trago-o como Olorum na crença
Que não me pune em pecados
Mas
Enche-me o peito grávido de esperanças
Como malungos marchando ao sol de novembro
Subindo as serras
Defesa e guerra

Meu sonho jamais faz silêncio
É a lança brilhante de Zumbi
A espada de Ogum
É o lê, o rumpi, é o rum
É a furia sem arreios
Terra farta dos anseios
Desacato, ato, sem freios

Vôo livre da águia que não cansa
Me faz erê, me faz criança

Meu sonho jamais faz silêncio
É um griot velho que me conta as lendas
De onde fisga tantas lembranças

E com ele invado chats, pages, sites
Na intimidade de corpos em dança
Perpetuando o gosto pelo correto
Meu sonho é pura herança
Rastro
Dos que plantaram, lutaram, construíram
O que não usufruo
Areia que moldada em vaso
Onde não nos cabe culpas
É lúcido ao sol dos trópicos, charqueado ao frio
É como um fio

Grita alto e bom som
Que o seio do amanhã nos pertence
Carregamos toda pressa

Meu sonho não faz silêncio
E não é apenas promessa

Planta em mim mesmo, na alma
Palmares, Palmares, Palmares
Pelo que de belo, pelo que de farto
Muitos Palmares

Carrega como o vento escritos
Versos de Jônatas, Oliveira, Colina , Semog e Cuti
Alimenta e nutre
Lembrando que esta cor me mantém desperto
E não tenho sustos

Sentinela que tange o eterno quissange
Entende a volúpia do calor que me abriga
Desfaz a mentira , destruindo a intriga

Meu sonho jamais faz silêncio
Como um Ilê Aiyê acordando a liberdade
Descobrindo amante ávido o sexo pulsante da existência
Desejo de navegar todos os mares
Comandando todas as fragatas, naves

E nos lança em um solo de Miles
Nos recria em um solo de Coltrane
Clássico como Marsalis, Jazz como Marsalis

E que nem tentem que faça silêncio
Pois voltaria gritando em um texto de Solynca
ás que completa a trinca
Torna-se um canto de Ella, Graça, Guiguio, Lecy
Gente negra, gente negra
Zamelão, mangueira
Brilho da mais brilhante estrela
Nunca se estanca, bravo se retraduz em sina

Só não lhe cabem
Crianças arrancadas da escola
Pela fome que rasga gargantas
E nos promete vê-las
Alimentadas todas, cultas
Meu sonho é uma negra criança
Que luta

Ergue Quilombos, aqui , ali
Em cada mente, em cada face
Impávidos como Palmares, impávidos Ilês
Em todos os lugares

Meu sonho não faz silêncio
Porque feito de lida
Teimoso como esta cor
Para sempre será desperto e certo
Mais que vivo, é a própria vida.

Poeta: José Carlos Limeira


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ANCESTRALIDADE NEGRA


Nossa história foi manchada pelo sangue dos nossos ancestrais.
Arrancados de sua terra, traídos pelos seus irmãos.
Vendidos como mercadoria sem valor, vieram para a “Pátria Amada, Mãe Gentil”.
De gentilezas cruéis, arrancava a pele açoitando as costas de seus filhos adotados.
O sol da liberdade, com seus raios fulgidos foi ofuscada pela escravidão.
Mesmo pós-abolição.
Os filhos deste solo foram arrancados do ventre de sua mãe.
Abortados do ventre da mãe África.
Sendo usurpada viu-se obrigada a acompanhar seus filhos na raiz da cultura que ainda prevalece, para que os seus não esquecessem de onde vieram.
África mãe gentil, Brasil pai cruel e ditador, que explora seu poder de pai, para ser exaltado como indispensável na vida dos filhos.
África mãe gentil, explorada pelo seu senhor Brasil.
Mas apesar de sua fragilidade feminina, resistiu e resiste á séculos de exploração.
Filhos d’África, filhos da força, filhos da resistência.
Filhos d’África não descendemos de escravos.
Também temos o “sangue azul”, também viemos da nobreza.
Descendemos de reis, rainhas, príncipes, princesas.
Nossos Deuses tem seus segredos e mistérios, e estes vieram impregnados nos nosso genes.
Nossa história não começa em 1500 com a chegada dos colonizadores ao Brasil.
Antes disso nossa descendência já estava sendo plantada, com a exploração dos nossos índios.
Brasil, pátria amada Brasil.
Óh grande pai dos afro-descendentes.
Brasil, pai amado Brasil, que tentando mostrar sua autoridade de pai, explorou seus filhos e sua grandiosa esposa África.
Saiba grande pai, que mesmo humilhados, açoitados, torturados pela sua impafia e nobreza,
Nossa gentil mãe África lhe deu a maior nobreza que você tem até os dias de hoje.
Essa nobreza somos nós Afro-descendentes.

Autora: Pollyana Almië

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SOU

Sou a palavra cacimba
pra sede de todo mundo
e tenho assim minha alma:
água limpae céu no fundo.

Já fui remo, fui enxada
e pedra de construção;
trilho de estrada-de-ferro
lavoura, semente, grão.

Já fui a palavra canga,
sou hoje a palavra basta.
E vou refugando a manga
num atropelo de aspa.

Meu canto e faca de charque
voltada contra o feitor,
dizendo que minha carne
não é de nenhum senhor.

Sou o samba das escolas
em todos os carnavais.
Sou o samba da cidade
e lá nos confins rurais.

Sou quicumbi e moçambique
no compasso do tambor.
Sou um toque de batuque
em casa gege-nagô.

Sou a bombacha de santo,
sou o churrasco de Ogum.
Entre os filhos desta terra
naturalmente sou um.

Sou o trabalho e a luta,
suor e sangue de quem
nas entranhas desta terra
nutre raízes também.

POETA: OLIVEIRA SILVEIRA