sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Leituras, angústias, lágrimas coisa e tal...


Olá,
Estou  fazendo algumas pesquisas para um trabalho da faculdade, este trabalho recebe o nome de PPI (Projeto Pedagógico Interdisciplinar), cada semestre o PPI tem um tema diferente, semestre passado postei aqui no blog algumas considerações que fiz para o trabalho, o tema era campos de atuação, e escolhi a lei 10.639/03 para o meu projeto.
Este semestre o tema é História e Arte e dei preferência em continuar usando a lei como base do meu projeto, pretendo falar sobre a arte afro - brasileira, mas, ainda estou buscando fontes para o mesmo.
Ontem, estava buscando na internet alguns documentos sobre o assunto e achei o livro do Darcy Ribeiro O Povo Brasileiro em PDF para download, nossa maravilha!
Tenho interesse em lê-lo, mas, ontem peguei o capitulo que fala sobre os afro - brasileiros. Antes de começar a ler, procurei no youtube o documentário de mesmo nome, achei, assisti, emocionante!
Voltando para casa, pois estava no trabalho rs, peguei as poucas folhas impressas e comecei a ler, foi um misto de arrepio, dor, e confesso que em meio ao trem semi lotado lágrimas insistiam em parar no canto dos olhos, cenas começaram a surgir na minha cabeça, lembrei do filme Amistad, as cenas do navio, enfim!
O arrepio e a dor aumentaram e senti novamente as insistentes lágrimas encostarem no cantinho do meu olho num misto de vontade e resistência, foram oito folhas lidas e nas duas últimas o coração explodiu de tanta dor, de tanta angústia e as lágrimas vieram com mais força. As palavras do autor são bonitas, parece poesia o jeito que escreveu, mas o conteúdo escrito é triste, angustiante, doloroso. A dor de tentar imaginar a dor dos nossos ancestrais, no livro Darcy nos diz:  ..."como se fosse uma caça apanhada numa armadilha, ele era arrastado pelo pombeiro ‐ mercador africano de escravos ‐ para a praia, onde seria resgatado em troca de tabaco, aguardente e bugigangas. Dali partiam em comboios, pescoço atado a pescoço com outros negros, numa corda puxada até o porto e o tumbeiro. Metido no navio, era deitado no meio de cem outros para ocupar, por meios e meio, o exíguo espaço do seu tamanho, mal comendo, mal  cagando ali mesmo, no meio da fedentina mais hedionda. Escapando vivo à travessia, caía no outro mercado, no lado de cá, onde era examinado como um cavalo magro. Avaliado pelos dentes, pela grossura dos tornozelos e dos punhos, era arrematado. Outro comboio, agora de correntes, o levava à terra adentro, ao senhor das minas ou dos açúcares, para viver o destino que lhe havia prescrito a civilização: trabalhar dezoito horas por dia, todos os dias do ano. No domingo, podia cultivar uma rocinha, devorar faminto a parca e porca ração de bicho com que restaurava sua capacidade de trabalhar no dia seguinte até a exaustão". Imaginar esta cena e crer que isso foi real é espantoso, crer que o ser humano é tão cruel a ponto de tal atrocidade é... não sei nem como classificar. Além de tudo isso, o autor ainda acrescenta: "Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, sem nenhuma identificação possível com ninguém ‐ seu capataz podia ser um negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos ‐, maltrapilho e sujo, feio e fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de uma vez, para matar, ou cinqüenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para arder como um graveto oleoso". Pensar em tais castigos, meu Deus, estou estudando História, serei uma historiadora mas, não sei se terei coragem para continuar sabendo de tudo isso sem no mínimo pirar um pouco, é louco, é cruel, é inaceitável, é revoltante, é doloroso. É mais doloroso ainda quando em sua tamanha sabedoria e inteligência o autor nos dá uma bela bofetada dizendo: "Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente. Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e de senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.
A mais terrível de nossas heranças é esta de levar sempre conosco a cicatriz de torturador impressa na alma e pronta a explodir na brutalidade racista e classista. Ela é que incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade brasileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos. Ela, porém, provocando crescente indignação nos dará forças, amanhã, para conter os possessos e criar aqui uma sociedade solidária.


Quando chegará o dia de vermos essa sociedade solidária, justa, sem nenhum tipo de preconceito, quando nos livraremos desta herança tenebrosa que assola nossa alma?

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